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Rui Ferreira autor

Nas páginas deste blog, desvendo o meu universo literário. Entre linhas e versos convido-o a mergulhar nas emoções e reflexões que habitam nas minhas palavras. Este é o espaço onde as ideias ganham vida.

Rui Ferreira autor

Nas páginas deste blog, desvendo o meu universo literário. Entre linhas e versos convido-o a mergulhar nas emoções e reflexões que habitam nas minhas palavras. Este é o espaço onde as ideias ganham vida.

2024: Um Ano Aziago

29.12.24 | RF

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O ano de 2024 chega ao fim, mas não sem deixar o gosto amargo de tempos difíceis. Foi um ano marcado por perdas que desafiaram a alma e testaram a resiliência. Na saúde, o corpo vacilou sob o peso de maleitas inesperadas, que deixaram não apenas cicatrizes físicas, mas também emocionais. Amigos partiram, alguns para além do alcance da vida, outros distanciados pelo curso inexorável do tempo e das circunstâncias. A solidão, velha conhecida, tornou-se presença constante.

Nos relacionamentos, as conexões pareceram frágeis como vidro fino, rachando diante de desentendimentos ou simplesmente do desgaste da convivência. A produtividade literária, que tantas vezes serviu de consolo, cedeu espaço ao vazio criativo, como se as palavras, cansadas, se recusassem a surgir. Ideias inacabadas e projetos engavetados deixam uma sensação de fracasso.

E foi nesse cenário desolador que a reflexão tomou lugar. Longas noites de insónia foram preenchidas por questionamentos difíceis: o que falhou? Qual o caminho daqui para frente? Valerá a pena continuar? Não houve respostas fáceis, mas talvez o único alívio tenha vindo da consciência de que, mesmo nos momentos mais sombrios, é possível encontrar uma centelha de aprendizagem.

2024, aziago e implacável, foi um ano difícil de digerir. Mas, como todos os anos, ele termina. E, com o seu fim, chega a esperança – ténue, mas persistente – de que o próximo ciclo traga algo melhor.

Leituras perdidas

28.12.24 | RF

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Quando olho para trás, o que vejo? Um deserto de páginas viradas. Fico com a sensação incómoda de que algo ficou por ler – ou por viver, vá-se lá saber. Li pouco, muito pouco. Outros assuntos, bem mais comezinhos e irrelevantes, roubaram a minha atenção. A realidade, esse monstro insaciável, ocupou-me com as suas trivialidades: contas a pagar, séries medíocres, scroll infinito em redes sociais... Tudo menos literatura.

Dei comigo, num lampejo de remorso, a fazer a lista dos livros lidos este ano. Que ironia amarga! Em vez de um banquete literário, um magro petisco. Confirmo: li menos do que no ano anterior – o que, convenhamos, não era grande feito.

Aqui fica, para registo e vergonha, a minha magra colheita de autores portugueses:

 

A senhora das Índias, de Alberto Santos

Não se foge à noite que cai, de António Souto

Lembra-te, de Manuela Pereira

A mulher do Dragão Vermelho, de José Rodrigues dos Santos

Dádivas de Deus e ajudas do Diabo, de António Monteiro Santos

A segunda vinda de Jesus Cristo à Terra, de João Cerqueira

25 de Abril, corte e costura, também de João Cerqueira

Agora já tenho uma família, de Ana Ferreira

A cicatriz, de Maria Francisca Gama

 

É isso. Nove livros. Apenas nove. Mal deu para ocupar uma prateleira. Que grande façanha, não é? Se continuar assim, daqui a uns anos, trocarei a estante por um suporte para post-its.

Mas, enfim, consolo-me a pensar que o próximo ano será melhor. Há sempre esperança – ou autoengano, tanto faz. Afinal, nada como o cheiro de um livro novo para nos lembrar do quanto deixamos por ler.

 

O Natal e a noite de Ano Novo: Entre a crença e a tradição

22.12.24 | RF

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Na época natalícia, há uma magia que paira no ar, uma mistura de tradição e crença que roça o absurdo. Chegados ao Natal, as pessoas dedicam-se fervorosamente a pedir presentes a uma figura mítica que nunca conheceram pessoalmente: o Pai Natal. Não importa se ele é uma construção cultural com raízes no marketing ou um símbolo de generosidade – ele é o destinatário de todas as listas de desejos, como se fosse um parente longínquo incrivelmente rico.

E, mal passam alguns dias, damos um salto quântico na lógica: na noite de Ano Novo, agarramo-nos a uma dúzia de passas, como se fossem amuletos mágicos. Cada passa, um desejo. Cada bocado de fruta seca, um sonho a concretizar-se no novo ano. Quem precisa de um cometa para fazer pedidos quando temos passas à disposição?

A ironia está no facto de que, na pressa de deixar os desejos ao Pai Natal, esquecemos que a verdadeira magia está na simplicidade das passas. Enquanto uma inexistência voadora num trenó mágico distribui presentes, confiamos que 12 passas poderão mudar as nossas vidas. Faz sentido? No universo peculiar das tradições humanas, faz todo o sentido do mundo! 

Seguimos, portanto, entre pedidos ao etéreo e confiança no mundano, celebrando a maravilha e o absurdo que é ser humano. Até porque, não seria verdadeiramente Natal se não tivéssemos um toque de surrealismo a temperar as festividades.

Amizades que se tornam "casa"

21.12.24 | RF

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Há amizades que chegam de mansinho, como um dia ensolarado depois de semanas de tempestade. Começam com uma conversa despretensiosa, um olhar cúmplice ou uma gargalhada partilhada, e antes que percebamos, tornam-se parte de nós. Não são laços de sangue que as unem, mas algo mais forte e difícil de explicar: uma escolha mútua, uma espécie de encontro inevitável entre almas que se reconhecem.

Com o tempo, essas amizades deixam de ser visitas na nossa vida e tornam-se casa. São elas que seguram a nossa mão nos dias mais difíceis, que nos acolhem quando a família original nos falha ou simplesmente não entende. São aquelas pessoas que conhecem os nossos defeitos mais profundos, mas permanecem, porque aprenderam a amar não apesar deles, mas por causa deles.

E é curioso como o tempo não desgasta essas relações, mas as fortalece. Elas sobrevivem às distâncias geográficas, às rotinas e até mesmo aos silêncios prolongados. Quando nos reencontramos, é como se o intervalo nunca tivesse existido.

Essas amizades tornam-se família de coração. São elas que escolhem estar presentes, que carregam o peso das nossas dores como se fossem suas, que celebram as nossas vitórias com mais entusiasmo do que nós próprios. Não há formalidade, não há cobranças: só um amor construído no dia a dia, mais resistente que qualquer obrigação imposta pelos laços de parentesco.

No fim, percebemos que a verdadeira família não é apenas aquela em que nascemos, mas também aquela que encontramos pelo caminho. E que sorte a nossa, poder escolher e ser escolhido, criando raízes que o tempo jamais consegue arrancar.

 

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A Língua do Ex-ex-colonizador

19.12.24 | RF

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É curioso, não é? A União Europeia, esse clube de países que celebram a diversidade, insiste em comunicar na língua de um país que já bateu a porta e foi viver a sua aventura solitária, como aquele amigo que sai da festa mais cedo só para depois ligar bêbado a dizer que sente saudades.

E porquê? Porque o inglês, outrora símbolo de união, agora parece mais um fantasma de um casamento desfeito, deambulando pelos corredores de Bruxelas. Mas não seria lógico adotar o alemão, que é falado por mais europeus e reflete o peso da maior economia do bloco? Ou quem sabe o francês, com a sua tradição diplomática e o charme de parecer estar sempre a recitar poesia?

Mas não, seguimos com o inglês. Talvez seja pelo Netflix. Ou porque “emails in Deutsch” assustariam até os mais bravos eurocratas. Afinal, é preciso pensar nos jovens!

Talvez, um dia, quando os ventos mudarem, adotemos uma língua comum que não seja ditada por pragmatismo ou comodismo, mas por convicção. Até lá, seguimos a falar a língua de quem já foi, mas que nunca realmente partiu.

O valor oculto do pontapé no cú

18.12.24 | RF

Já paraste para pensar que, na vida, nem todo o impulso vem de algo agradável? Às vezes, aquele pontapé que te empurra para fora da zona de conforto – ou para longe de um cenário de desastre – é justamente o que precisavas.

Claro, ninguém gosta da humilhação inicial. O ego dói, o orgulho chora, e a nádega sente a força do impacto. Mas, quando percebes que estás alguns passos à frente, há uma epifania cómica: “Ah, até valeu a pena.”

Por isso, hoje celebramos essa força impulsionadora disfarçada de inconveniência.

O valor oculto do pontapé no cú

A lição que ninguém pediu, mas todos aprendem

Quando a vida decide ensinar-te algo da forma mais direta possível – leia-se: com um belo pontapé metafórico –, só tens duas opções. Podes reclamar eternamente ou aceitar que algumas lições são mais práticas do que teóricas.

Imagina a cena: estás confortável, sem preocupações, quando, de repente, vem o impacto. Não há aviso, não há espaço para protestos. Só resta aprender a cair e, mais importante, a levantar.

Essas lições, embora dolorosas, são inestimáveis. Afinal, elas ensinam-te a improvisar, a adaptares-te e, quem sabe, até a desenvolver um senso de humor mais apurado. Porque, convenhamos, rir da própria desgraça é muito mais saudável do que lamentares-te para sempre.

Momentos em que um empurrão é tudo o que precisamos

Quem nunca precisou de um “empurrãozinho” para tomar uma decisão difícil ou para sair daquela rotina paralisante? E se esse empurrão for mais forte do que o esperado? Bem, nesse caso, chamamos de pontapé.

A verdade é que, muitas vezes, a inércia só é quebrada por uma força externa. Seja perder um emprego, terminar um relacionamento ou ouvir aquela crítica construtiva brutalmente honesta, momentos esses que nos forçam a agir.

O segredo está em reconhecer o potencial do movimento gerado. Podes escolher focar na dor inicial ou aproveitar o impulso para alcançar algo maior.

Como transformar o impacto em movimento

Técnicas para cair com estilo e levantar com graça

Cair com estilo é uma arte subestimada. Assim como num filme de ação, precisas fazer parecer que foi intencional. Rebola, finge que estava tudo sob controlo e levanta-te antes que as pessoas percebam o desastre.

Depois vem o mais importante: a recuperação. Aceita a situação, analisa os danos e traça um plano. Afinal, cada queda é uma oportunidade para ajustar a rota e seguir com mais determinação (e, se possível, um travesseiro para amortecer os próximos impactos).

Rir de ti mesmo é a melhor forma de seguires em frente

Nada neutraliza a dor de um pontapé tão eficazmente como uma boa gargalhada. Rir de si mesmo não é apenas libertador, mas também contagiante.

Ao encontrares humor nas adversidades, não só alivias o peso da situação como inspiras outros a fazer o mesmo. E, convenhamos, a vida fica muito mais leve quando a encaramos com um sorriso – mesmo que seja um sorriso torto.

Conclusão: Agradece aos pontapés (com moderação)

No fim das contas, nem todo o pontapé é uma maldição. Alguns são bênçãos disfarçadas, empurrando-nos na direção que mais evitávamos – mas que mais precisávamos.

Poesia e destruição massiva: O poder da palavra no limite da verdade

16.12.24 | RF

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Quando se pensa em armas de destruição massiva, o imaginário evoca imagens de explosões catastróficas, desolação e o peso sombrio de decisões políticas. Mas e se dissermos que uma simples conversa sobre poesia foi capaz de desarmar essa ideia? Foi exatamente isso que aconteceu num dos momentos mais marcantes da história contemporânea, quando o peso de versos e metáforas se sobrepôs à tensão de ameaças nucleares e químicas.

Preso após a invasão americana ao Iraque em 2003, Saddam Hussein tornou-se o epicentro de um quebra-cabeças que assombrava o Ocidente: o país possuía, de facto, armas de destruição massiva? Durante meses de interrogatórios exaustivos, a verdade permanecia oculta. Contudo, foi num momento inesperado, durante uma conversa sobre poesia, que a máscara caiu. O ditador, um entusiasta declarado da literatura, revelou de forma involuntária aquilo que os Estados Unidos procuravam desesperadamente confirmar: o Iraque não possuía tais armas.

A revelação é ainda mais marcante quando se compreende a subtileza do contexto. A poesia, uma arte que transcende conflitos e revela as profundezas da alma humana, tornou-se o fio condutor de uma confissão que modificou o rumo da história. Foi o diálogo sobre versos que desvendou o maior "bluff" geopolítico do século XXI, onde Saddam admitiu que a sua afirmação de possuir essas armas tinha como único propósito intimidar o Irão, o seu maior rival regional.

O Irão, com a sua posição estratégica e ambições regionais, sempre foi uma preocupação central para o regime de Saddam. A falsa narrativa de possuir armas de destruição massiva surgiu como uma estratégia poética em si – uma metáfora tangível do poder, um jogo psicológico para manter o equilíbrio de forças.

Saddam sabia que a força da sua palavra era, em alguns aspetos, mais potente do que qualquer ogiva ou agente químico. Alimentar o medo do Irão era essencial para preservar a hegemonia regional, mesmo que isso implicasse desafiar a comunidade internacional e abrir caminho para a sua própria queda.

Existe uma curiosa ironia nessa relação entre poesia e armas de destruição massiva. A poesia, que muitas vezes é associada à criação, à beleza e à introspeção, tornou-se a chave para expor a destruição que nunca existiu. No coração desse diálogo entre o interrogador americano e Saddam, a poesia agiu como uma ponte – um terreno comum onde o ditador baixou as defesas e deixou escapar a verdade.

A palavra, assim como a arma, carrega um potencial destrutivo. Pode devastar ideais, derrubar regimes e reconfigurar alianças. Mas também pode ser a força criadora que desnuda mentiras e reestabelece a confiança. O paradoxo é claro: a mesma poesia que Saddam usou para encantar e manipular foi a ferramenta que o desarmou diante da história.

Não se pode ignorar o papel do interrogador nesse desfecho histórico. Reconhecer a paixão de Saddam pela poesia e utilizá-la como ponto de conexão exigiu sensibilidade e inteligência emocional. O interrogador não pressionou, não usou táticas convencionais de coerção. Em vez disso, explorou a relação do ditador com as palavras, permitindo que ele se entregasse ao que lhe era mais familiar.

A conversa sobre poesia transcendeu as barreiras culturais e políticas, criando um espaço de vulnerabilidade onde Saddam revelou, sem perceber, que o seu arsenal era tão fictício quanto os versos que declamava.

Esse episódio deixa-nos reflexões profundas sobre o poder da palavra. A mesma poesia que serviu para reforçar uma narrativa de medo foi também a chave para a desarmar. A palavra, quando usada com intenção e habilidade, é capaz de atravessar os muros mais densos – sejam eles erguidos por regimes opressores ou pela desconfiança internacional.

Vivemos num mundo onde a verdade é frequentemente ofuscada por narrativas bem elaboradas. Este caso lembra-nos que, por mais complexas que sejam as camadas de um discurso, sempre haverá uma fresta por onde a luz da verdade pode passar. Seja através da poesia, seja através do diálogo, a palavra permanece como a arma mais poderosa que a humanidade possui.

O episódio que envolve Saddam Hussein e a sua confissão sobre a ausência de armas de destruição massiva mostra que, às vezes, as verdades mais profundas emergem dos lugares mais improváveis.

A poesia, com a sua capacidade de tocar as camadas mais íntimas do ser, não apenas desarmou uma narrativa política, mas também revelou a fragilidade de um regime que usava palavras para esconder a sua vulnerabilidade.

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