A peste grisalha
Chamam-nos a peste grisalha, esse enxame de cabeças prateadas que ousa ocupar espaço no mundo como se ainda tivesse direito a ele. Acordamos cedo – não por gosto, mas porque os joelhos fazem questão de nos lembrar que dormir mais do que seis horas é luxo de adolescente. Invadimos cafés com os nossos jornais impressos (essa relíquia) e dominamos as filas de farmácia com a paciência de quem já viu o fim do mundo... pelo menos três vezes.
Somos acusados de viver no passado. E é verdade: vivemos, sim — com saudade do tempo em que os botões serviam para apertar camisas e não para ligar Zooms. Mas ao contrário do que pensam, não somos alheios ao presente. Apenas não temos paciência para influencers de trinta anos que dizem “na minha época” como se tivessem combatido em Waterloo.
Ouvimos críticas de quem acha que devíamos ceder o lugar — nos transportes, nas empresas, no mundo. Que deveríamos desaparecer com elegância, como um velho cabaré a ser demolido com música de fundo. Mas a verdade é que, apesar das dores, dos esquecimentos seletivos e da ligeira obsessão com meteorologia, ainda sabemos mais do que a maioria dos críticos saberá um dia.
A velhice não é castigo — é privilégio. E quem disser o contrário que venha discutir connosco... depois da sesta, claro.
Convém esclarecer — pertenço ao tal “clube da peste grisalha”, mas por erro administrativo ou excesso de zelo das estatísticas. Tenho cinquenta e poucos. Pouquíssimos. Tão poucos que, com um bom corte de cabelo e luz favorável, ainda passo por primo afastado dos quarenta. Mas isso não impede os mais jovens — esses entusiastas da arrogância com prazo de validade — de me olharem como se estivesse a um passo de começar a falar com plantas ou a discutir se as meias devem combinar com as sandálias.
Não sou velho. Velhos são os móveis da avó, os catálogos da Telecel e os moralismos da internet em caixa alta. Eu sou experiente, rodado, com quilometragem urbana — ainda dou uns toques no sarcasmo, mantenho a ironia em forma e sei citar referências que vêm de uma época em que a cultura não cabia num carrossel de stories.
A geração que nos aponta o dedo parece convencida de que a juventude é um estado permanente. Que ternura. Pensam que os cinquenta são o novo oitenta e que envelhecer é sinónimo de abrandar — quando, na verdade, muitos de nós só agora largámos o freio. Porque aos vinte faltava-nos coragem, aos trinta, paciência, e aos quarenta, tempo. Agora, temos o luxo de dizer “não” sem pedir desculpa, de fazer perguntas embaraçosas em reuniões e de rir alto nos sítios errados. Liberdade, essa sim, é um sintoma da idade.
Por isso, aos críticos e cronistas da pressa, deixo um recado simples: há mais vida, mais riso e mais veneno refinado neste clube grisalho do que em muitos TikToks somados. E se incomoda, paciência. Pior do que pertencer à peste grisalha é fazer parte da geração dos ofendidos que ainda acredita que o mundo lhes deve alguma coisa — sem sequer terem pago entrada.
Imagem gerada por IA
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