Apagão e rádio portátil
Ontem, o futuro decidiu tirar um dia de folga. No auge do apagão nacional, com ecrãs pretos, routers calados e assistentes virtuais tão mudos quanto cúmplices, vi-me obrigado a desenterrar das profundezas de uma gaveta esquecida um artefacto lendário: o meu Grundig portátil, um hit boy a pilhas, sobrevivente estoico dos gloriosos anos 90.
Enquanto o país mergulhava no caos digital, fui salvo por aquele pequeno bastião da tecnologia analógica, que, com o seu som mono e chiado reconfortante, me dava as notícias com a solenidade de quem já viu de tudo. Foi irónico: num tempo em que carregamos o mundo no bolso, bastaram umas pilhas AA e uma antena esticada à antiga para me manter ligado ao mundo.
Lá fora, vizinhos trocavam olhares perdidos, à procura de sinal como se fossem peregrinos do século XXI. Eu, no entanto, herói involuntário da resistência analógica, escutava as novidades sentado à varanda, com o Grundig no colo, como quem segura o Santo Graal. Quem diria que, no fim, seria o passado a mostrar-nos o caminho?