Choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes
Há quem diga que choramos ao nascer por causa do choque térmico, da luz intensa ou do ar que invade abruptamente os pulmões. Mas talvez, só talvez, o choro inaugural seja o primeiro e último ato de plena lucidez que temos. Um grito instintivo diante da tragédia que é nascer num palco já repleto de atores fora do papel, num teatro onde a sanidade é exceção e a demência, regra.
Olhemos à nossa volta. Crescemos a acreditar em manuais de sucesso escritos por fracassados, seguimos líderes que não lideram, confiamos em sistemas que prometem justiça e entregam burocracia, e aplaudimos celebridades que brilham pela ausência de conteúdo. No meio disto, quem ousa fazer perguntas torna-se "problemático", e quem pensa demais é medicado — para bem da produtividade, claro.
Os que choram por compaixão são chamados de fracos, os que roubam com gravata são promovidos, e os que gritam por mudança são apelidados de lunáticos. Que melhor resposta, então, do que um bom choro ao entrar neste manicómio coletivo?
A frase atribuída a Shakespeare — ou a qualquer outro pessimista de plantão — não é apenas uma observação cínica: é um espelho. E o mais trágico é que, à medida que crescemos, deixamos de chorar. Não porque o mundo tenha melhorado, mas porque nos habituámos à loucura. A adaptação, afinal, é a forma mais polida de rendição.
Talvez devêssemos recomeçar a chorar — mas agora, não por desespero, e sim como sinal de alerta. Para lembrar que estar entre dementes não nos obriga a sê-lo também.
Imagem: Pixabay