Floresta em pele viva

"A limpeza da floresta é um mito.
O que se limpa na floresta, a matéria orgânica?
E o que se faz à matéria orgânica, deita-se fora, queima-se?
Dantes era com essa matéria que se ia mantendo a agricultura em boas condições e melhorando a qualidade dos solos. E, ao mesmo tempo, era mantida a quantidade suficiente na mata para que houvesse uma maior capacidade de retenção da água.
Com a limpeza exaustiva transformámos a mata num espelho e a água corre mais velozmente e menos se retém na mata, portanto mais seco fica o ambiente. A limpeza tem de ser entendida como uma operação agrícola. Mas esta floresta monocultural de resinosas e eucaliptos, limpa ou não limpa, não serve para mais nada senão para arder. Aquela floresta vive para não ter gente."
Gonçalo Ribeiro Telles
Antigamente, a floresta era um corpo vivo que respirava com o solo. As folhas caídas e os ramos secos eram alimento, não lixo; mantinham a terra fértil, húmida, preparada para a próxima estação. Hoje, a “limpeza” arrancou-lhe a pele — deixámos a mata nua, espelhando o sol e devolvendo a água em corridas apressadas pelos vales. Secámos o chão e, com ele, a própria vida. No lugar de diversidade, plantámos fileiras de árvores que não alimentam ninguém e que ardem todas da mesma forma. Chamamos-lhe floresta, mas é um campo de fósforos à espera de um estalar de dedos. O fogo não chega por acaso; encontra-nos prontos para o receber.
Imagem: Pixabay