Liberdade com auto-tune
Há quem diga que o humor é a última trincheira da liberdade. Outros preferem chamá-lo de campo minado. Desta vez, os Anjos desceram à terra — diretamente para os tribunais.
De um lado, temos os que se ofendem. Sentem-se atingidos, feridos na honra, e reclamam por justiça, ou pelo menos por um pedido de desculpas com música de fundo. Do outro, está quem defende o humor como arte, provocação, exagero — e direito fundamental. Entre ambos, o espectador comum, que já não sabe se pode rir sem parecer cúmplice de um crime ou demasiado sensível.
Então, em que ficamos? O humor tem de pedir licença para existir? Vamos começar a medir o pH das piadas, a pesar o sarcasmo em balança de farmácia?
Por outro lado, talvez valha a pena perguntar: a criatividade humorística tem, ou não, um limite? Há uma fronteira entre fazer rir e destruir a reputação de alguém? Ou isso é só a desculpa conveniente de quem não gosta de se ver ao espelho, mesmo que distorcido?
Será que chegámos ao ponto em que o sarcasmo precisa de manual de instruções? Ou andamos tão livres, tão soltos, que esquecemos que a palavra pode magoar, mesmo embrulhada em ironia?
Afinal, quando é que a liberdade de expressão se transforma em licença para humilhar? E quando é que a sensibilidade se torna censura disfarçada de empatia?
Se cada piada tiver de passar pelo crivo do politicamente aceitável, o que sobra do humor? E se cada riso for uma agressão, o que sobra da alegria?
Talvez seja isto o admirável mundo novo: onde tudo se diz, mas tudo se processa. Onde a criatividade vive, mas sob fiança.
No fim, a pergunta essencial não é se a Joana foi longe demais ou se os Anjos cantam melhor ofendidos. A verdadeira questão talvez seja: estamos a perder o sentido de humor… ou a perder o sentido?
Imagem: Pixabay