Medo e criação divina
Talvez nenhum sentimento tenha moldado tanto o espírito humano quanto o medo. Antes do fogo, antes da linguagem estruturada, já havia o som da tempestade, o rugido do predador, a morte súbita do companheiro — e, perante o desconhecido, o homem tremeu. E, tremendo, imaginou. E, imaginando, criou.
O medo é a mãe silenciosa da divindade: não por malícia, mas por necessidade. Ao não compreender o relâmpago, o trovão, a seca ou a peste, o homem primitivo atribuiu-lhes intenções, vontades, personalidades. Deuses da colheita, da guerra, da fertilidade. Deuses coléricos ou piedosos. Era mais suportável viver sob o jugo de entidades invisíveis do que aceitar o caos absoluto. A ordem imposta pelo mito confortava — o sagrado é, no fundo, uma tentativa de domesticar o abismo.
Religiosamente, o homem não adora só por amor, mas por receio. Ora busca o favor do divino, ora tenta aplacar a sua ira. O ritual nasce do medo de errar, o templo do medo do abandono, o dogma do medo do erro. Até o inferno, conceito que paralisa milhões, é uma escultura do medo moldada em fogo e castigo.
Mas haverá, também, um medo mais profundo: o medo de que não haja nada. Que o universo não passe de um vazio indiferente, sem olhos a julgar nem ouvidos a escutar. E então, em desespero criativo, o homem pinta estrelas com significados, ouve vozes no vento e interpreta sinais nos sonhos. Esse é o lado esotérico da alma humana — o desejo de encontrar sentido onde há silêncio, de transformar angústia em revelação.
Assim, não foram os deuses que criaram o homem. Foi o medo do homem que criou os deuses — e, com eles, nasceu também a esperança. Pois onde há temor, há também desejo de salvação.
Talvez, no fim, Deus seja menos uma resposta do que uma pergunta: e se eu não estiver sozinho?
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