Na Mira do Silêncio
O vento soprava gelado pelas ruínas desoladas do vilarejo, carregando o cheiro de pólvora e terra molhada. Alexei ajustou a mira telescópica, sentindo o peso metálico da arma nas suas mãos. O alvo estava a pouco mais de 400 metros: uma figura camuflada em uniformes militares, movendo-se cuidadosamente entre os escombros.
Respirou fundo, acalmando o coração que pulsava freneticamente no peito. "Mantém a calma," repetia para si mesmo, como um mantra ensinado no treino. O dedo pousou suavemente no gatilho, pronto para disparar.
Foi então que o reconheceu.
O homem que agora estava no centro da sua mira era Dimitri. Seu colega de faculdade, amigo inseparável nas noites de discussão sobre literatura e filosofia. O mesmo Dimitri que um dia compartilhara sonhos de mudar o mundo, que acreditava que as ideias eram mais poderosas do que armas.
Alexei sentiu o estômago revirar. Como era possível terem chegado àquele ponto? Piscou os olhos para limpar a névoa que lhe cobria a visão, mas a figura no campo de batalha permanecia inconfundível. Conhecia aqueles gestos, aquele jeito de inclinar a cabeça como se estivesse sempre a avaliar algo.
“Dimitri”, murmurou. A palavra saiu-lhe da boca como um lamento.
O tempo parecia congelar enquanto Alexei mergulhava em memórias. A gargalhada de Dimitri repetia-se na sua mente, o som alegre de dois jovens despretensiosos dividindo uma garrafa de vodca no telhado do alojamento da universidade. Riam-se do absurdo da vida, faziam promessas de nunca se corromperem pelas demandas de um mundo insensato.
Agora, os dois estavam em lados opostos de uma guerra que parecia uma piada de mau gosto. Alexei sabia o que deveria fazer. Era um soldado, e o homem na mira era o inimigo. Era essa a lógica cruel da guerra.
Mas a lógica parecia fria e desumana diante da realidade.
“Se eu apertar o gatilho”, pensou, “serei capaz de viver comigo mesmo? Com a lembrança da sua expressão ao cair?”
Cada grama da arma parecia pesar mais. Cada respiração era um esforço monumental.
Dimitri baixou-se para ajustar algo na mochila, alheio ao facto de que a sua vida estava presa por um fio invisível. Alexei sabia que essa era a oportunidade perfeita, o momento em que o seu alvo estava mais vulnerável.
Fechou os olhos por um segundo, tentando desconectar-se de tudo. Mas ao fazer isso, viu o rosto de Dimitri com uma clareza cruel. Não o rosto endurecido pelo conflito, mas o rosto de anos atrás, quando eram apenas dois jovens sonhadores.
“E se os papéis fossem invertidos?”, perguntou-se.
Um tiro ecoou ao longe, arrancando Alexei da sua reflexão. Dimitri moveu-se rapidamente, à procura de abrigo. A oportunidade perfeita havia passado, mas Alexei não sentiu alívio, apenas um peso ainda maior no coração.
Afastou-se da posição, desmontando a arma com mãos trémulas. Não podia fazer aquilo. Não podia carregar o fardo de destruir uma vida que, noutro outro tempo, fora parte tão essencial da sua própria.
Enquanto recuava para reagrupar com a sua unidade, Alexei perguntou-se se Dimitri teria sentido a sua presença. Se ele sabia que por um instante a sua vida esteve nas mãos de um amigo que escolheu não ser carrasco.
A guerra continuaria. Talvez os seus caminhos se cruzassem novamente, mas Alexei sabia que, mesmo assim, não seria capaz de apertar o gatilho.
Porque, afinal, o que era uma bala comparada ao peso do remorso? E o que era a guerra senão uma máquina insana, devoradora de vidas e laços em nome de causas que ninguém compreendia completamente?
Respirou fundo, sentindo o ar gélido queimar-lhe os pulmões. O campo de batalha estava quieto, mas dentro dele, uma tempestade rugia sem fim.