Não seja Charlie Brown
Há em Charlie Brown uma nuvem persistente que não se dissipa, uma espécie de nevoeiro existencial que o impede de ver o azul do céu mesmo quando não há nuvens. Ele espera o pior. Cai antes de tropeçar. Ama com medo e vive com um travão no peito. É gentil, sim, mas parece condenado a duvidar dele mesmo, como se qualquer alegria fosse um engano prestes a ser corrigido pelo destino.
Ser Charlie Brown é viver no compasso da desistência. É olhar para a bola que Lucy segura e já saber que ela será retirada — então, por que tentar? É acreditar que não se é bom o suficiente, mesmo quando se tenta com toda a alma. É uma tristeza doce, quase confortável, mas que corrói lentamente a vontade de continuar a acreditar.
Na vida real, essa postura pode parecer honesta — um escudo contra a decepção —, mas é também uma prisão sem grades visíveis. O negativismo, disfarçado de lucidez, é um vício emocional que nos rouba a possibilidade do inesperado, do milagre, da alegria que chega sem avisar.
Recusar ser Charlie Brown não é negar a dor ou fingir que tudo está bem. É, antes, escolher não viver sob a sombra permanente da antecipação do fracasso. É levantar-se, mesmo sabendo que podemos cair. É amar, mesmo sabendo que podemos ser rejeitados. É tentar, ainda que a memória nos diga que já falhámos antes.
Porque a vida, por mais crua que seja, também é cheia de novas manhãs. E cada tentativa, mesmo que falhada, é um gesto de fé. Fé em nós. Fé no outro. Fé na vida. E essa fé, mesmo pequena, é o que nos diferencia de Charlie Brown.
Imagem retirada da web
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