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Rui Ferreira autor

Nas páginas deste blog, desvendo o meu universo literário. Entre linhas e versos convido-o a mergulhar nas emoções e reflexões que habitam nas minhas palavras. Este é o espaço onde as ideias ganham vida.

Rui Ferreira autor

Nas páginas deste blog, desvendo o meu universo literário. Entre linhas e versos convido-o a mergulhar nas emoções e reflexões que habitam nas minhas palavras. Este é o espaço onde as ideias ganham vida.

O dia em que as sirenes pararam de tocar

12.03.25 | RF

 

DALL·E 2025-02-25 23.52.36 - A desolada paisagem

 

A cidade acordou num silêncio estranho. Não era o silêncio do alvorecer, nem aquele que precede o estrondo dos mísseis. Era um vazio opressor, um buraco no quotidiano da guerra. Há meses, talvez anos, ninguém sabia ao certo, as sirenes eram a música da vida. Ela rasgava o céu e empurrava as pessoas para os abrigos, lembrando a todos que o inferno espreitava além das nuvens.

Mas naquela manhã, elas não tocaram.

Olga saiu do porão hesitante, os dedos crispados ao redor do casaco que outrora fora verde e agora se confundia com o pó e o fumo negro das explosões. O céu estava cinzento, como sempre, mas não havia drones no horizonte, nem o zumbido constante dos caças a rasgar o ar. As ruas, normalmente varridas pela pressa e pelo medo, estavam imóveis, expectantes.

A dúvida pairava sobre todos. Era um erro? Uma sabotagem? Um prenúncio? Vasyl, o velho eletricista que consertava as redes elétricas do bairro, balançava a cabeça em frente à sede da defesa civil. Os rádios também estavam mudos. Ninguém sabia de nada. As tropas russas haviam recuado? Ou algo muito pior estava prestes a acontecer?

Nos becos, as sombras murmuravam teorias. Uns diziam que a central das sirenes fora destruída por um míssil, e que o próximo ataque os apanharia desprevenidos. Outros sussurravam que a guerra havia terminado, que a ausência das sirenes era um anúncio de paz. Olga não acreditava em nenhuma dessas versões. O irmão, Taras, fora convocado para lutar em Bakhmut, e ela sabia que o silêncio nunca significava o fim, mas apenas um intervalo antes da próxima tormenta.

À medida que a manhã avançava, as pessoas saíam dos seus abrigos. Os mais corajosos testavam a sorte a caminhar pelas ruas devastadas, enquanto outros apenas espiavam das janelas, à espera do inevitável. Então, vieram os estrondos. Não os mísseis, não as bombas. Estrondos abafados, distantes, como se a terra tremesse de dentro para fora.

A eletricidade piscou, os postes vibraram. No horizonte, além dos prédios destroçados, uma nuvem negra começou a erguer-se, devagar, como um monstro que despertava de um sono profundo. Não era fumo de explosão. Era algo mais denso, mais escuro. Um calafrio percorreu a espinha de Olga.

E então, os rádios voltaram à vida. Uma transmissão cheia de estática e vozes entrecortadas invadiu os alto-falantes abandonados nas ruas:

"Evacuem... perigo... algo... subterrâneo..."

E foi então que perceberam: não eram apenas as sirenes que haviam parado. As terras raras haviam desaparecido. Os depósitos, as minas, as reservas ocultas que tornavam a Ucrânia um território cobiçado. Desapareceram sem deixar vestígios.

Não haviam sido saqueadas pelos invasores, mas antes negociadas por aliados outrora verdadeiros. O que restava do país não era apenas um campo de batalha destruído, mas um território exangue, sem recursos, sem forças.

A Ucrânia era agora um país exaurido, deixado à sua sorte, sem amigos e sem aliados. O silêncio das sirenes já não importava. O verdadeiro horror estava apenas a começar.