Os ditadores não convivem bem com os livros
Há algo de profundamente ameaçador nos livros para qualquer ditador. Não são as folhas impressas nem as lombadas nas estantes — é o que vive dentro deles. Ideias. Perguntas. Sonhos. Os livros são portadores da liberdade mais temida pelos regimes autoritários: a liberdade de pensar.
A história mostra, de forma trágica e repetida, que onde há ditaduras, há censura. Queimam-se livros, interditam-se autores, proíbem-se pensamentos. Hitler fez fogueiras com obras que não se alinhavam à ideologia nazi. Salazar censurava tudo o que cheirasse a contestação. Recentemente, os regimes autoritários perseguem jornalistas e intelectuais, porque sabem que um parágrafo bem escrito pode ser mais subversivo do que mil vozes aos gritos.
Ditadores não convivem bem com livros porque os livros não obedecem. Não se vergam. Não prestam vassalagem. Um livro pode ser escondido, passado de mão em mão, lido às escondidas numa cave ou memorizado por quem o sabe de cor — e ainda assim, sobreviver. E, pior (para eles), transformar. Um livro pode incendiar consciências, gerar dúvidas num espírito submisso, despertar coragem num coração oprimido.
A leitura é um ato de liberdade. Ler é deixar-se interrogar, é duvidar, é imaginar um mundo diferente — mais justo, mais plural, mais humano. Nada disso interessa aos regimes que vivem da uniformidade e do medo. Um cidadão que lê é um cidadão difícil de domesticar.
Por isso, o ditador prefere o silêncio da ignorância ao ruído incómodo das ideias. Prefere a obediência cega à crítica esclarecida. Mas os livros persistem. Mesmo nas sombras, continuam a iluminar. Porque por cada livro proibido, há uma alma inquieta. E por cada alma inquieta, nasce uma semente de resistência.