Uma travessia sem passageiros
Ontem, subi ao elétrico da Oficina da Escrita, como combinado, à hora marcada. Lá, o amarelo vibrante do veículo parecia brilhar ainda mais sob o sol impiedoso daquela tarde lisboeta, como se tentasse chamar os leitores com promessas de histórias frescas e palavras partilhadas. Mas o calor era tanto que talvez até os livros tivessem preferido ficar à sombra.
A viagem foi solitária — uma travessia sem passageiros, um encontro marcado com o silêncio e a persistência. Sentei-me junto à janela, à espera de ver rostos conhecidos, ou pelo menos curiosos. Vieram apenas os suspiros quentes do verão.
Ainda assim, o elétrico era belo. Orgulhoso. Um palco ambulante à espera de aplausos, ainda que sem público. Ri-me com a ironia da situação: um escritor num elétrico vazio, a viajar consigo mesmo e com as palavras que transporta. Talvez essa seja, afinal, a essência de escrever — muitas vezes uma viagem a solo, debaixo de um calor que só nós sentimos.
A Feira do Livro continuará. E eu também. Porque o próximo leitor pode estar na próxima paragem.